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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Os paradoxos na nova lei que restringe recursos de novos partidos


 

O governo Dilma, com PT e PMDB à testa, aprovaram na Câmara uma nova Lei que impede novas legendas partidárias a ter acesso ao fundo partidário e a tempo de rádio e TV. Ainda não li o texto da lei na íntegra, mas por óbvio deve também restringir o acesso dos novos partidos ao funcionamento parlamentar, como presença em comissões e cotas de assessorias. Para quem ainda não sabe, o tempo de TV e rádio dos partidos e também as cotas do Fundo Partidário são proporcionais à bancada de deputados federais deste partido.
O que a nova lei está disciplinando agora é o seguinte: a bancada federal que deve ser levada em conta é aquela que migrou para o novo partido, ou somente aquela que foi efetivamente eleita pelo novo partido, no início da legislatura?

Aos que nos acompanham, achei prudente escrever algo a respeito, mas já adianto que sou favorável à criação de quantos partidos se queira, visto que a legislação eleitoral no Brasil não permite que a sociedade civil lance candidatos às eleições, há um monopólio dos partidos. Então, quem não se sente representado pelo menu de partidos existentes, que tenha o direito de subir a ladeira íngreme de conseguir meio milhão de assinaturas de eleitores, com seus respectivos títulos eleitorais e cada assinatura certificada pelo cartório da respectiva zona eleitoral do assinante. Não é tarefa fácil como pensam alguns.

O debate eleitoral já contaminou a racionalidade nas posições, talvez a tramitação desta lei só tenha vindo por conta disto também. Assim, na imprensa de massas a tese corrente é a seguinte: a Lei é para prejudicar Marina Silva e seu novo partido em gestação. Os defensores da tese bradam que se valeu para o Kassab e seu PSD, por que não para Marina e sua Rede? Há dados e análises que precisam ser melhor colocados.
A nova lei não retira todo o tempo de TV e rádio e nem todo o fundo partidário dos novos partidos. Portanto não é verdade que estão querendo excluir Marina das propagandas de TV e Rádio, caso ela venha a legalizar sua Rede. O tempo de TV e rádio que ela terá, assim como os recursos do Fundo Partidário, serão os mesmos que partidos que não têm representação parlamentar federal, como o PSTU, por exemplo.

Por outro lado, usar o caso PSD/Kassab como critério de isonomia é de uma tristeza quase infinita. O que houve ali foi uma prostituição política em favor do governo, com o claro objetivo de desidratar o DEM, como de fato aconteceu. Por isso, mesmo esta nova lei tendo aspectos muito positivos no sentido da ética na política, o governo Dilma não tem absolutamente nenhuma moral para fazer este discurso, pois se valeu desta prostituição em seu favor em passado bem recente.

Outro fato inegável é que a criação de novos partidos com tantas janelas para a infidelidade tornou-se na verdade uma larga estrada aberta para a concretização da infidelidade partidária em essência. Não é coincidência a prática de novas modalidades de “criação” de novos partidos, como aconteceu recentemente com a fusão do PPS com o PMN, criando o MD (Mobilização Democrática). O objetivo era única e exclusivamente abrir uma imensa janela para a infidelidade e para reposicionamentos na conjuntura eleitoral. Acho que eles têm todo o direito de fazê-lo, mas querer abrigar tempo de TV e rádio, fundo partidário e funcionamento parlamentar com a adesão de infiéis não me parece justo.

Aliás, até outubro deste ano, data limite para legalização de novos partidos que podem disputar as eleições em 2014, já existem pelo menos dois partidos em vias de emergir. Que venham, mas que se enfronhem na sociedade em busca de votos para se fortalecer e terem acesso a recursos públicos da mesma forma que os partidos realmente ideológicos o fazem. Busquem convencer deputados que tenham a decência de fazer opções difíceis em defesa da coerência de suas ideias e não mercenários da política.

Edilson Silva, presidente PSOL-PE

 

 

 

sexta-feira, 5 de abril de 2013

PEC das domésticas: avança a luta feminista


 
Por Edilson Silva

Fiquei impressionado, mas não tão surpreso, com a repercussão da aprovação da nova legislação que disciplina o trabalho doméstico no Brasil. Uma classe média (é média mesmo?) apavorada demorou a sentir a ficha cair. Tínhamos no Brasil uma situação absolutamente descabida, duas categorias de trabalhadores. Com a isonomia alcançada pelos trabalhadores domésticos, em português claro, domésticas, faxineiras e babás, esta situação começa a ser resolvida.

A gritaria é porque as famílias não terão como se adaptar. Pois bem, até aqui quem teve que se adaptar foram as domésticas. “Ah, mas eu chego tarde em casa e meu filho vai ficar com quem?”. Sim, e o filho da doméstica, fica com quem? Cansei de ver sindicalistas lutarem muito por direitos de suas categorias, mas mantinham em suas casas trabalhadoras, não raro negras, em situação de extrema precariedade.

A nova legislação das domésticas trará, oxalá, uma nova percepção para a sociedade brasileira, para os milhões de trabalhadores que exploram em suas casas outros trabalhadores, a necessidade de se tratar de creches públicas, de lavanderias públicas e outros serviços antes obtidos da pior forma. O deleite liberal de “comprar” estes serviços num mercado praticamente informal sofreu num duro golpe.

A realidade que muitas famílias sofrerão a partir de agora é o drama diário de milhões de mães brasileiras, pobres, que tem que deixar seus filhos menores com os filhos maiores em casa, para poder trabalhar, fazer faxina. A luta destas mães pobres, por creches decentes para seus filhos, será também agora a luta das mães de classe média ou menos pobres. A emancipação plena da mulher não pode admitir que a emancipação de uma se dê pisoteando os direitos de outra.

A aprovação da PEC das domésticas foi uma segunda abolição da escravatura no Brasil.

Presidente do PSOL PE

 

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 1 de abril de 2013

DESIGUALDADE INFINITA



Por Clóvis Cavalcanti
Economista ecológico e pesquisador social; clovis.cavalcanti@yahoo.com.br

Recentemente, foi lançado em Pernambuco, o Fórum Permanente de Discussões sobre o Complexo de Suape. À sua frente, a militante do movimento feminino do Cabo Nivete Azevedo e o professor da UFPE Heitor Scalambrini. Trata-se de iniciativa que ajuda a preencher o vazio na iniciativa do governo estadual, que já tem 4 décadas, de discussão com as partes interessadas (stakeholders) acerca da obra. Sobre isso, em abril de 1975, liderei um grupo de cientistas pernambucanos – Vasconcelos Sobrinho, Nelson Chaves, José Antonio Gonsalves de Mello, Renato Carneiro Campos (tio do governador Eduardo Campos), Renato Duarte e Roberto Martins – que contestava o projeto e pedia que ele fosse discutido. Expusemos isso em documento publicado num dia por semanário da época, o Jornal da Cidade e, no dia seguinte, pelos demais jornais recifenses. Nunca a sugestão foi ouvida. O resultado é visível.
Como diz, com razão, documento do novo fórum, a intervenção estatal em Suape “tem sido caracterizada pela violência na retirada das famílias moradoras sem que indenizações justas sejam pagas, e nem novas moradias disponibilizadas, levando estes moradores a se tornarem sem teto, e famílias a viverem precariamente nas cidades localizadas em torno do Complexo”. Essa é uma situação cuja dimensão de calamidade só se percebe conversando com pessoas que passam pelo calvário em que se transformou para elas a truculência do Estado em face de cidadãos ordeiros. Mais incrível é a facilidade com que se martiriza gente humilde, esmagando-a com artifícios jurídicos para que abandone suas casas, seus meios de vida, sua história, seu pertencimento a um território muitas vezes ancestral. É incisivo sobre o tema, o documento do Fórum Permanente de Suape: “Sem dúvida, para a manutenção de padrões sociais dominantes desde o período colonial, os poderes constituídos (executivo, legislativo e judiciário) fecham os olhos para a violação dos direitos destas populações invisíveis à sociedade”.
A mesma realidade foi constatada pela ONG Both ENDS, incumbida pelo governo dos Países Baixos, de onde procede, de averiguar a (ir)responsabilidade social de uma empresa holandesa, a Van Oord, que faz dragagem no porto desde 1995 e que recebe apoio do governo holandês para isso. Fui procurado pelo experiente antropólogo ambiental da Both ENDS Wiert Wiertsema em agosto de 2012 para falar sobre Suape. Disse-lhe que fosse ver com seus olhos o que estava acontecendo; que conversasse com gente de lá. Ele ficou alarmado com a situação (ver http://www.bothends.org/uploaded_files/document/130222_Report_Suape.pdf). Falou com pessoas demolidas na sua integridade, como o agricultor Luís Abílio, de Tiriri, um estóico trabalhador de 87 anos, expulso de casa por integrantes da aterradora Tropa de Choque. Infelizmente, essa dureza insana é jogada contra pessoas desprotegidas. Ao mesmo tempo, a elite se diverte construindo, como em Apipucos, um edifício na beira do Capibaribe, contra todo bom senso e a necessidade de proteção às margens de rios. É uma desigualdade infinita.