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sexta-feira, 22 de março de 2013

Quando o neocoronelismo quer se vestir de paradigma




Por Edilson Silva

Há poucos dias o filósofo esloveno Slavoy Zizek esteve palestrando no Recife. Optou por apresentar suas ideias utilizando-se de muitos “causos”. Um deles me chamou mais a atenção. Em visita à China, teriam lhe dito por lá que não existia crise global da economia, mas tão somente no Ocidente. Entendi que os chineses que trataram com ele não se referiam apenas à economia do mundo ocidental, mas também à sua democracia, pois a conclusão que Zizek apresentou – não concordando com ela, claro -, é que o bom andamento das economias dentro dos marcos capitalistas na contemporaneidade está diretamente vinculado a menos democracia e a mais centralização de poder.

O “novo” capitalismo num mundo supostamente pós-ideológico não precisaria de democracia para se legitimar, mas apenas de metas de crescimento econômico e quando muito de níveis razoáveis de emprego e renda. Nada de metas sociais, claro. Cada um que adquira a sua no mercado.

Na condição de segunda maior economia do planeta e com previsões de superar os EUA nos próximos 15 anos, talvez os chineses coloquem-se mesmo na condição de uma espécie de novo paradigma, sobretudo para um provável ex-triunfante modelo capitalista ocidental. As portas entreabertas já deixam entrar, de novo, seus primeiros filetes de ventos fascistas na Europa e nos EUA, vide Tea Party.

Não é difícil perceber que não há condições de sobrevida e novo ciclo de “estabilidade” ao capitalismo pós-crise de 2008 sem atacar brutalmente um catálogo de direitos que vão desde aqueles que remontam às Revoluções Americana e Francesa, que dão contornos ao conceito de República, passando pelos direitos sociais e trabalhistas, oriundos ainda do século XX, até os conquistados e em fase ainda de aquisição neste século XXI, como os direitos difusos, ambientais, e também os direitos na realidade virtual, como liberdade e privacidade na rede mundial de computadores.

Está claro, contudo, que há controvérsias nessas possibilidades do capitalismo global em tentativa de reciclagem. Recentemente, em janeiro de 2013, a China precisou interditar uma centena de fábricas na região de Pequim e retirar 30% da frota de carros oficiais das ruas, pois o ar estava irrespirável e os hospitais não conseguiam atender à demanda de pessoas com doenças respiratórias. Ou seja, impeditivos objetivos da natureza.

E também como falar em atrofiamento da democracia e direitos no exato momento em que a realidade virtual das redes sociais aponta um sentido inverso, de transparência, de controle social, de participação popular? As linhas que dividem os conceitos e mesmo as formas concretas do usufruto da democracia naquilo que ela se relaciona dialeticamente com a liberdade são quase imperceptíveis e, logo, se por um lado pode-se falar em desnecessidade da democracia na legitimação política de um modelo vigente, por outro a questão da liberdade de ação política é um princípio sem o qual nenhum modelo se legitima e nem se estabiliza politicamente nestes dias. Tempos de muito conflito se avizinham, então.

Fiz este percurso inicial para adentrar naquilo que vem acontecendo politicamente em Pernambuco e mais especificamente no Recife após a vitória de Geraldo Júlio (PSB) à prefeitura. Os desmandos brutais em Suape, com uma CPRH (Companhia Pernambucana de Recursos Hídricos, responsável pelos licenciamentos ambientais naquele território) completamente submissa e ajoelhada perante interesses econômicos; e o que vem acontecendo agora em Recife, com seus muitos viadutos e túneis, arranha-céus, mudanças bruscas na estrutura do Estado, infiltrações em outros poderes, grilagem de terras urbanas utilizando-se mapas do tempo do império, passando-se por cima de tudo e de todos, dão conta de imaginar que o suposto paradigma chinês esteja fazendo escola por aqui.

Com slogans rápidos e que exigem zero capacidade de abstração dos ouvintes, o governador e os seus vão desconstruindo a nossa democracia e construindo na opinião pública um modelo de gestão supostamente vitorioso, em que a democracia é absolutamente desnecessária. “Trabalho, trabalho e trabalho”, bradava o prefeito do Recife, ainda no andor do governador, quando de sua posse. “Recife tem pressa para entrar no ritmo de Pernambuco”, repetiam bovinamente vários vereadores antes da posse do novo prefeito, para aprovar projetos e autorizações prévias à futura administração, abrindo mão inclusive de prerrogativas do legislativo. “Geração de emprego e renda” é o mantra que mais justifica qualquer ação do poder público em parceria desavergonhada com o privado. Em meio à desconstrução da nossa ainda pouca cultura democrática e republicana, vai-se também aplicando um sofisticado programa de privatização na saúde, de abandono da educação pública e assédio moral brutal sobre os operadores da segurança pública. A meritocracia está no centro nevrálgico deste modelo, cumprindo um forte papel ideológico e colocando no universo do obsoleto conceitos como solidariedade e universalização de direitos e serviços públicos.

O governador Eduardo Campos parece não só orgulhoso de sua obra em construção (vai até lançar um livro sobre o seu modelo de gestão), mas também bastante consciente de seu papel e de seu potencial. Desde 2011 vem pavimentando o caminho para ser o preferido das maiorias artificiais no Brasil pós Lula. Mais slogans: “Um novo caminho para um novo Brasil”. “O Brasil pode mais!”. Só falta dizer, e dirá: O Brasil precisa entrar no ritmo de Pernambuco! É candidatíssimo à presidência, tem pressa, e sabe que só tem chances de “fazer bonito” se adquirir a confiança dos grandes conglomerados empresariais nacionais e internacionais, que por sua vez sabem que para sobreviver enquanto tal precisam ingressar no modus operandi chinês.

O governador de Pernambuco viu e vê esta vaga aberta ao perceber um PT incapaz de encabeçar a tarefa de reciclagem além da epiderme do capitalismo brasileiro, incapacidade pela natureza histórica e base social deste partido. Neste sentido, o PT já está praticamente batendo no teto em sua capacidade de enfrentamento com sua bonita história antes de chegar ao Planalto Central, já fez seu melhor na manutenção estrutural do status quo. E o governador e presidente nacional do PSB também percebeu a absoluta falta de viabilidade eleitoral do PSDB no curto prazo, tanto pela percepção da opinião pública de que o PSDB é uma velha direita que fez oposição visceral a governos que trouxeram sensação de bem estar e de mobilidade social para amplas parcelas sociais, mas também porque seu melhor candidato, Aécio Neves - que também já percebeu a natureza autoritária que o capitalismo precisa assumir para se reinventar e ter novo impulso no Brasil -, não possui uma biografia pessoal adequada para manejar os setores conservadores que precisarão ser parte da base social fundamental de sustentação deste potencial novo regime, ou seja, uma nova e também reciclada direita.

Ter bem claro o papel e o alcance das estratégias que tem nosso Estado e nosso município como laboratório neste processo é condição sine qua non para levarmos adiante uma resistência popular coerente e uma acumulação política na direção correta. Não se trata de fazer apenas “oposição por dentro destes governos”, como tentam ingenuamente ou malandramente alguns; nem de se circunscrever a lutas pontuais ou meramente eleitorais, pois este novo paradigma em gestação poderá mesmo lidar com práticas supostamente libertárias pulverizadas e sem perspectiva real de instalar um outro conceito de poder público. Há que se combater implacavelmente este conceito essencialmente e inescapavelmente autoritário por um lado, e construir firmemente por outro uma alternativa política a isto, pela esquerda, socialista e contra este capitalismo selvagem que se agiganta ante nosso nariz. Sem isto, podemos correr o risco de ficar como que atirando pedras na lua, sem transformar nossa saudável rebeldia, nossas energias e nossa consciência em ação transformadora da realidade.

Presidente do PSOL-PE

quarta-feira, 13 de março de 2013

Fenelon, o pequeno.

 
Por Edilson Silva

Foi lamentando muito que recebemos daquele que está no posto de Procurador Geral de Justiça a decisão de manter a retirada da Promotora Belize Câmara de seus trabalhos junto à Promotoria de Meio Ambiente do Recife. Para o bem da verdade, não se poderia esperar atitude diferente de Aguinaldo Fenelon, o Procurador. Com argumentos requentados, regimentais e frágeis, ele não se dispôs ao mínimo debate, pois sabedor é da incapacidade de sustenta-lo. Diante disto, há que se buscar caminhos para reparar esta violação por um lado, e por outro buscar-se construir com o novo promotor, cujas referências que nos chegam são positivas, a manutenção do trabalho que vinha sendo desenvolvido pela Dra. Belize.

A conclusão política a que chegamos com isto é que a República se esfarela ainda mais em Pernambuco e se encaminha para uma espécie de ampulheta, em que podemos ver com nitidez que nos aproximamos rapidamente de um ponto crítico, pois construir uma cultura de legalidade, de cidadania, de respeito à Constituição como norma a ser aplicada e não como paradigma para discursos sem eficácia, é uma tarefa difícil e para gerações. Mas, construir-se uma cultura de toma-la-da-cá, de fisiologismo, de coronelismo, de patrimonialismo, colocando em relevo e extraindo dos indivíduos e da sociedade o que estes têm de pior, é tarefa que pode ser empreendida por poucos e rapidamente.

Bastam duas gestões não republicanas consecutivas num governo estadual para pôr-se de joelhos uma Assembleia Legislativa; para se encher tribunais de Justiça e de Contas com a parentada, aqui e alhures; para se construir uma escola pública que nos darão futuras gerações de jovens que já não conseguirão sequer ler a página policial dos jornais, que dirá discernir sobre seus votos; para acabar com um sistema de saúde público e entrega-lo ao deleite privado do próprio Secretário de Saúde; para desconstruir no imaginário popular a ideia de que o trabalho árduo, hercúleo e competente realizado por um quadro de promotores públicos do mais alto e ético gabarito, também está submisso aos interesses não republicanos que violentam outras instituições. Aqui cabe um parêntesis: continuaremos lutando para que o Ministério Público siga sendo parceiro das melhores iniciativas da sociedade civil. Felizmente as parcerias não são com este Procurador, mas com as promotorias e com a instituição.

Fenelon, ao retirar Belize do Recife e manter sua decisão mesmo diante de tamanha comoção social, fez seu dever de casa não para com o público. Vai entrar para a história da mesma forma como os que trataram da morte de Frei Caneca, não os grandes atores históricos, mas os pequenos que apertaram gatilhos. Ninguém que ostenta o título de Procurador Geral de Justiça deveria se resignar a este papel, mas este fato só faz reafirmar que não se mede o homem e o servidor público pelo seu cargo, mas pelos sonhos que ele tenta realizar ou destruir, e é aqui, talvez, que encontremos a medida exata do tamanho político deste que está como Procurador Geral.

As falas e entrevistas do Procurador mostram bem, por um lado, a sua despreocupação com o mérito da questão e, por outro, sua preocupação em desqualificar a sociedade civil e outros segmentos que reivindicam o retorno de Belize. Exatamente onde localizamos um dos motivos para o retorno da promotora, qual seja sua sinergia sincera e desejável com a sociedade civil, através de um movimento novo e revolucionário das redes sociais, o Procurador, tudo indica, talvez preposto de interesses inconfessáveis, via justo aí o problema a ser “sanado”.

A alquimia do controle social sobre o poder público vindo das redes sociais, com as práticas transparentes, horizontais e colaborativas, via a ferramenta do Facebook com o grupo Direitos Urbanos, que é o protagonista anônimo inconteste deste processo todo, aliado a novos e independentes veículos de comunicação, como o Blog Acerto de Contas, aliado a iniciativas políticas partidárias independentes e que mostram certa força política, tudo isto conectado com uma promotora corajosa e ideologicamente comprometida com causas e com a radicalidade da lei, geraram uma força que obstaculizava os planos da FIFA e do governo estadual e municipal em transformar nossa cidade num quintal privado; de higienização social da cidade; de grandes construtoras que vem grilando e burlando a tudo e a todos quase impunemente (o quase é porque já há condenação por formação de quadrilha entre estes setores “empresariais”). É este concerto de forças e iniciativas que está na mira dos algozes da cidadania no Recife.

Não à toa o procurador Fenelon, conscientemente ou não, junto com um blog a serviço de seus patrocinadores e não da boa informação, tem insistido em partidarizar e fulanizar o debate sobre o mérito desta pauta, faltando com a verdade descaradamente ao afirmar que o autor deste texto se autoproclama “porta-voz” do movimento pela volta de Belize e também do grupo Direitos Urbanos. O objetivo é gerar discórdia do lado de cá e apostar na despolitização geral da opinião pública.

Sobre o blog em questão, não há muito o que se fazer. É uma empresa que faz publicidade de seus patrocinadores, não em banners, mas nos textos que publica, e ao mesmo tempo posta artigos de opinião para lhe dar suposta face de independência. Com relação ao procurador Fenelon, que insiste em dizer, via o blog supracitado, que eu lhe disse que sou porta-voz do movimento e que inclusive foi eu quem lhe liguei para tratar da pauta em questão, a solução é simples: quebremos nosso sigilo telefônico. O meu está à disposição e com esta simples medida vamos ver quem ligou pra quem. Se, por acaso, a conversa foi gravada, podem expô-la, pois eu, de antemão, abro mão da privacidade, como se tivesse consentido previamente. Gente séria faz assim. Estamos no aguardo.

Querem, ainda, “partidarizar” o movimento ao dar relevo à participação de políticos nas manifestações, de novo com foco em nossa presença. Alegra-nos ver a velha política se contorcendo ao constatar que há atores político-partidários bem votados que, mesmo sem mandato institucional, não se dispõem a vender sua representatividade e seus votos no balcão de negócios dos governos de plantão. Nosso compromisso, do PSOL e de nosso Mandato Cidadão, é honrar cada voto, cada apoio e cada fio de esperança que nos foram depositados. Nosso maior desejo e preocupação é não decepcionar os que em nós depositaram sua confiança. Temos, assim, a obrigação de estar presentes em cada luta, em cada mobilização, ombro a ombro, carregando cartazes, somando nossa voz, sofrendo, rindo ou chorando com as dores e delícias da vida de quem nos dispomos a ser parceiros na luta política.

Presidente do PSOL-PE